Crítica XXI

Portugal é há quase meio século governado pelas esquerdas. Se estendermos a ideia de poder ao campo cultural, podemos dizer que esse domínio é até anterior à Revolução e permanece mesmo quando as direitas governam. 

Disto não resulta apenas que as direitas e o seu pensamento sejam mal conhecidos; resulta uma atmosfera cultural e mediática acomodada e maniqueísta sem espaço para a interrogação crítica. 

Crítica XXI quer dar a conhecer a tradição intelectual das direitas e os seus desenvolvimentos actuais, olhando para valores, ideias e princípios com liberdade incondicional.

NÚMERO 12 . VERÃO 2025

Neste número da Crítica XXI, que marca o fecho do terceiro ano de publicação da revista, Jaime Nogueira Pinto escreve sobre os “intelectuais do trumpismo”, que também os há, e que o autor subdivide em Claremounters (da Claremount Review, um bastião da intelectualidade direitista americana), Pós-liberais (onde se contam Patrick Deneen e o Vice-Presidente J.D. Vance) e Nacionais-conservadores.

A propósito de uma absurda queixa-crime contra o bispo emérito de Alcalá de Henares por “ofensas às pessoas portadoras de deficiência física”, Gonçalo Almeida Ribeiro analisa o papel da ignorância e da imbecilidade na denúncia, censura e criminalização da expressão e na identificação de “discurso de ódio”. No rescaldo do assassinato de Charlie Kirk e de algumas narrativas mediáticas sobre o crime, o criminoso e a vítima, a reflexão não pode ser mais oportuna.

  Num tempo em que estão todos obcecados em tomar partido, em “Irão, Revolução e Resistência” Lívia Franco analisa com realismo e sem maniqueísmo a política e a geopolítica do Médio Oriente, desde a queda do Xá até ao presente.

Num texto que intitula “Viver Perigosamente para as Grandes Causas”, José Carlos Seabra Pereira, um dos primeiros especialistas camonianos vivos, volta aos Lusíadas, à “oposição anti-heróica” ali corporizada pelo Velho do Restelo e ao heroísmo espiritual, moral e intelectual a par do heroísmo guerreiro que a epopeia camoniana também traz. A grande poesia não se compadece com celebrações ocas e vãs e a épica da gesta portuguesa não podia deixar de incluir a oposição e a contradição que o realista Camões conhecia bem.

“Uma Longa Marcha do Politicamente Correcto à Guerra Civil” é uma síntese histórica de Miguel Freitas da Costa das “guerras culturais” no Ocidente euroamericano. Da tradição pessimista de Alexis De Tocqueville às grandes distopias do século XX e seus admiráveis mundos novos, analisa-se o inventário orwelliano que “em nome da liberdade proíbe, em nome da igualdade discrimina, em nome da paternidade castiga”. E o autor lembra os efeitos da cultura de cancelamento: hoje, por exemplo, quem se atreveria a produzir filmes como Some like it hot, American Beauty, Psico ou Manhattan?

Em “Os Pluralismos e a Crise do Liberalismo Contemporâneo”, Miguel Morgado problematiza a teoria e a prática do liberalismo no mundo de hoje, lembrando que, no pós-Segunda Grande Guerra, o modelo liberal era suportado por um medo hobbesiano dos totalitarismos nazi e comunista e indissociável dessas tirânicas alternativas.

“A República dos Monárquicos” é o texto de Rui Ramos que trata a aparente contradição entre  a “Monarquia sem monárquicos”, que caiu no 5 de Outubro sem resistência, e uma República  onde os monárquicos vão estar depois omnipresentes, das incursões couceiristas à Monarquia do Norte e às prisões do regime (em 1919, havia mais de mil monárquicos – ou acusados como tal – nas prisões da República). Para Ramos, há três tipos de monárquicos: os da elite social monárquica; os convertidos à monarquia pela prática política da República, como Alfredo Pimenta e António Sardinha; e os “monárquicos de classe média”, conservadores ordeiros que os desmandos esquerdistas dos democráticos lançaram na oposição ao regime.

Nas Notas Críticas, João Luís Ferreira escreve sobre uma obra de 1997 de Orlando Vitorino, A Desolação do Mundo – Leonardo Coimbra e Martin Heidegger. Dois pensadores de escolas opostas, o platónico Coimbra e o anti-platónico Heidegger convergem numa visão crítica sobre o “inquietante niilismo” do nosso tempo.

Eurico de Barros escreve sobre Bookie, uma série da HBO Max que narra as aventuras e desventuras de um corrector de apostas ilegais em Los Angeles e do seu guarda-costas, um “matulão negro” que funciona como “dissuasor visual”, no mundo paralelo do crime organizado e desorganizado de Los Angeles. A série, entretanto, parece ter sido cancelada pela própria HBO Max, suspeitando-se que na base do cancelamento estejam algumas liberdades fora da caixa correcta a que os autores se permitiram.

Miguel Freitas da Costa faz a recessão do último livro de Nuno Rogeiro, presença permanente na televisão portuguesa no comentário à actualidade internacional. O Abominável Mundo Novo que agora publicou, numa edição da Dom Quixote, é o seu testemunho analítico sobre o caos (ou a nova ordem ou o interregno) em que mergulhou este mundo, com a agonia mais ou menos expectável da “ordem liberal internacional”, oficialmente em vigor desde o fim da Guerra Fria.

DIRECÇÃO JAIME NOGUEIRA PINTO E RUI RAMOS